O processo de amizade se automatiza, passando a depender de uma breve janela de aceitação
Enrique Fibla Gutiérrez
www.fronterad.com
         
22/11/2010
Enrique Fibla Gutiérrez
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Há uns dias estreou na Espanha A Rede Social,  o filme de David Fincher sobre o nascimento do Facebook, plataforma web  que define perfeitamente a sociedade da informação do século XXI. Mais  além da indubitável qualidade do filme, a sequência reaviva o interesse  não somente sobre o tema da vida privada, mas também o significado do  conceito de amizade na era da internet.
Em uma das principais  cenas do filme, o fundador do Facebook Mark Zuckerberg se dispõe a  celebrar o número de um milhão de usuários da plataforma enquanto  enfrenta uma demanda judicial interpolada por seu único amigo até agora.  O advogado deste amigo o alfineta com ironia: “seu melhor amigo está  pedindo 600 milhões de dólares”. Pouco depois, voltamos à sede do  Facebook, onde o jovem começa a assistir a uma festa e comemorará o  êxito de conseguir ficar totalmente sozinho no escritório. Como pode o  fundador de uma das ferramentas sociais mais importantes dos nossos  tempos ser uma pessoa evidentemente anti-social? Na minha opinião, diz  muito sobre o que é considerada atualmente a amizade, um conceito que  tem sido distorcido a ponto de depender exclusivamente de um clique do  mouse.
A palavra amigo provém do latim amicus, que deriva, por sua vez, da palavra amore, amor. Trata-se,  portanto, de uma relação entre duas pessoas cuja chave reside no mútuo  entendimento e respeito. Mas, sobretudo, embasa-se na existência de uma  intimidade com o outro que nos permite compartilhar o que nos alegra e  nos atormenta de maneira totalmente próxima. Abrimo-nos à amizade porque  necessitamos compartilhar o que passa pela nossa cabeça, estabelecendo  um vínculo de confiança sem o qual estaríamos perdidos. Um amigo não é o  mesmo que um conhecido, alguém a quem também respeitamos mas não  confiamos o suficiente para nos abrirmos e de quem somente conhecemos  superficialmente, mas nunca em profundidade.
A confusão vem com a  aparição das redes sociais na Internet, um tipo de simulacro de nossas  relações pessoais onde um cria um alter ego virtual a partir de pequenos  retalhos de informação pessoal, fotografias e comentários sobre o que  fazemos, deixamos de fazer e do que gostamos. A natureza expansiva da  rede faz com que a única maneira de participar do jogo virtual seja  aumentando constantemente nosso número de amigos. Solicitando a  aceitação de pessoas das quais não conhecemos nada. Se faz possível o  impensável, já que podemos chegar a entrar em contato com gente que  simplesmente não teríamos conhecido de outra maneira. Essa ampliação até  o infinito de nosso mapa social é certamente positivo, já que provoca  encontros, choques e conexões que, de uma maneira ou outra, geram novos  conhecimentos e ideias. Ao mesmo tempo, entretanto, impulsiona uma  cultura de superficialidade que preocupa pelo desapego com a realidade  provocado pela ferramenta.
As novas relações que estabelecemos  graças à ausência de barreiras físicas na Internet se baseiam na máxima  do “disparo”, em vez da seleção. Nesse ponto, gostaria de recordar uma  citação do escritor Augusto Monterroso que diz: “Desde que começou a  falar, o homem não encontrou nada mais gratificante que uma amizade  capaz de escutá-lo com interesse, seja para a dor como para a  felicidade”. O importante dessa frase é que ressalta a transcendência do  interesse e, por extensão, da profundidade de um vínculo para  considerá-lo como tal. Nossas amizades virtuais correspondem a esse  pensamento? Duvido muito. Sobretudo porque tudo que podemos conhecer do  outro e vice-versa não é nada mais do que uma construção, uma máscara  por trás da qual não há um rosto, mas simplesmente nada. Não se exige o  exercício da sinceridade que implica toda amizade verdadeira, um  processo no qual não resta outra coisa se não mostrarmos como somos.  Tampouco recai sobre nós responsabilidade alguma e assim, isentos de  deveres, nos encanta nos sentirmos participantes fortes do simulacro  social que propõe o Facebook.
O processo de amizade se  automatiza, passando a depender de uma breve janela de aceitação como  início da relação e com constantes opções de valorizar aquilo que se  valoriza por meio de botões pré-configurados do estilo “gosto”, não  gosto” etc. Essa racionalização/automatização da amizade é o  procedimento que segue Mark Zuckerberg no filme. Mostra-se infinitamente  mais fácil entender as relações pessoais como uma série de algoritmos  de zeros e uns que dão forma a esta ou aquela opinião da web. Essa  redução não implica uma necessidade de simpatizar com o outro, mas sim  uma dissecação lógica que permita determinar gostos, medos e afinidades  sem ter que perguntar, somente consultar  o que o computador já fez por  nós. A tecnologia se converte em um meio que nega a interpessoalidade  mas permite uma comunicação eficazmente imediata.
Agora, que tipo  de comunicação se consegue estabelecer? Neste ponto, remeto ao  excelente ensaio de Gilles Lipovetsky “A era do vazio”, onde define um  ato de narcisismo como “a expressão gratuita, a primazia do ato de  comunicação sobre a natureza do comunicado, a indiferença pelos  conteúdos, a reabsorção lúdica do sentido, a comunicação sem objetivo  nem público, o emissor convertido em principal receptor”. Desta maneira  podemos definir a amizade segundo as redes sociais como um paradoxo ato  de narcisismo, realizado a partir da  solidão de um computador e onde o  que interessa não é conhecer o outro,, mas sim construir minuciosamente  uma identidade em perpétua mutação, diante da qual conhecemos a  comunidade virtual.
De certa maneira esta é a conclusão final de  David Fincher em “A rede social”, a sensação de que depois de duas horas  de filme somos incapazes de fazer uma ideia clara de quem é Mark  Zuckerberg. Mas não por falta de habilidade do diretor, mas como uma  exemplificação máxima da incapacidade de construir uma identidade clara  de alguém que se escondeu toda a sua vida atrás da Internet. Façamos o  teste agora de tentar imaginar quem são todas essas pessoas que temos  como amigos em nossas contas. Provavelmente só reconheceremos uns  poucos, que casualmente serão nossos amigos mais próximos. Não pretendo  demonizar uma ferramenta tão útil como o Facebook, que eu mesmo uso  assiduamente, mas sim alertar sobre essa redução do conceito de amizade,  que nos leva a utilizar a dita palavra com rapidez para denominar  relações cibernéticas que merecem outro termo. Quiçá seja simplesmente  uma questão de terminologia, mas sem o simplesmente.
 
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